Flávio S. Nunes,
disponível em: http://excessivamentehumano.blogspot.com/2010/09/filosofia-e-ciencia-biologica.html
RESUMO
Como toda ciência, a biologia também surgiu do pensamento de alguns filósofos ao longo dos séculos. A filosofia possui dificuldades em ser chamada ciência, pois considera-se uma disciplina que faz uso de um ponto de vista totalitario e universal, enquanto uma ciência lança seu olhar sobre um ramo específico do saber, que no caso da biologia seriam os seres viventes, animais, plantas, etc. Pode-se filosofar sem ciência, contudo não se pode fazer ciência sem um conhecimento, ao menos básico, sobre filosofia.
O grande desafio de hoje para a ciência biológica é o desenvolvimento de um pensamento estruturalista, sem perder sua identidade científica. O papel da ciência para o estruturalismo é o de identificar, explicitar e descrever suas estruturas, regras e princípios constitutivos.
O pensamento pós-moderno possui o desafio de desenvolver uma ciência ampla e nao-linear, mais próxima das artes do que da “ciência” propriamente dita, não se prendendo mais em um saber ou um ponto de vista privilegiado, mas como uma pratica discursiva, uma forma de reflexao que exprima o entendimento de nossa época.
NASCIMENTO DA CIÊNCIA BIOLÓGICA
Dizemos que quando o homem perguntou pela primeira vez o porque de algo no mundo, deu-se inicio a ciência. Depois disso, o homem começou a questionar seus conhecimentos. Tudo que o cercava fora submetido (e ainda o é) à análise. Mais profundamente, começou a buscar aquilo que para ele seria a essência da vida, a causa primeira e mais importante na natureza e de si mesmo.
Dizemos que o mundo científico é aquele que, ao descobrir o ser das coisas, secundariamente procura descobrir a essência que as coisas tem. Para o agricultor, uma árvore é uma coisa que maneja, com a qual trabalha, com a qual convive. Mas para o biólogo ela represente algo muito maior, pois este conhece sua essência. Portanto o mundo da ciência é aquele mundo de essências descobertas depois que as coisas se tornaram problemas. Por exemplo, do ponto de vista da fisica, este mundo, o mundo de que falamos, o mundo das coisas reais, temporais e causais, nao é mais do que um sistema de números métricos; fórmulas matemáticas que expressam medidas e relações entre medidas. Nem mais, nem menos.
É preciso convencer-se que a filosofia não é ciência. A filosofia é uma disciplina tão rigorosa, tão estritamente rigorosa e difícil como a ciência; porém não é ciência, porque entre ambas há muita diferença de proposito e de método, e entre outras diferenças existe esta: Cada ciência tem um objetivo delimitado, enquanto que a filosofia se ocupa de qualquer objeto em geral. O fato de descobrir uma nova estrela no céu ou de expor uma nova lei universal, não justifica, ou legitima, que um cientista de toda a vida, por exemplo um biólogo, físico, matemático, etc; ponha-se de repente, sem exercitação previa, a fazer fiolosofia.
O professor Manoel Garcia Morente, em seu livro “Fundamentos de Filosofia: Lições preliminares” publicado em 1966, é enfatico ao dizer que o nascimento da ciência biológica, separada da filosofia, dá-se quando lançamos nosso olhar e nos dispomos a estudar os seres viventes, animais e plantas, separado do resto das coisas que podem lhe classificar como um todo. Uma ciência deixa a filosofia quando renuncia a considerar seu objeto de um ponto de vista universal e totalitário.
O SURGIMENTO DA CIÊNCIA COMO A CONHECEMOS
Um dos pilares da ciência na antiguidade foi Aristoteles. Ele foi o mais importante discípulo de Platãoo e o responsável pelo ponto mais alto da filosofia Grega. Aristoteles é natural de Estagira, na península Calcidica, e viveu entre os anos 384 – 322 a.C. Ele escreveu sobre quase todos os campos do saber humano da época, deixando muito material escrito. Entre eles temos os escritos sobre o mundo físico, onde descreve o mundo natural, palpável. Um dos seus mais importantes discípulos e contribuidores foi Alexandre Magno, este ao conquistar novos “mundos” enviava a seu mestre algumas amostras de plantas e animais, para que pudesse estudá-los e registrar o máximo de informação possível sobre espécimes, até aquele momento, completamente novas.
Para Aristoteles a ciência consiste na consciência suficiente que temos para explicar completamente o objeto considerando-o do ponto de vista que se é analisado (Matemático, biológico, etc) e tal consciência é comprovada quando não podemos separa o objeto de sua causa.
Na Europa Ocidental, a partir do final do Séc. XII, começa o interesse pelas ciências naturais com a re-introduçao da obra de Aristoteles e de seus intérpretes árabes. Embora a revolução científica moderna inspire-se muito em Platão, pela valorizaçao da matemática na explicação do cosmo, e nos pitagóricos, que já teriam antecipado o modelo heliocêntrico proposto por Copérnico (segundo ele próprio admite), Aristoteles é o responsável pela ênfase na pesquisa experimental e na importância da investigação da natureza.
Uma das principais transformações do ponto de vista da metodologia científica está precisamente na inversão da ordem de prioridades, onde temos a rejeição da verificação de uma hipótese com um argumento conclusivo para sua aceitação, argumentando que a verificação, por definição limitada e imperfeita, não pode suplantar os princípios metafísicos estabelecidos racionalmente, nem tampouco as verdades universais e necessárias deduzidas logicamente. Segundo essa visão, é mais importante salvar a fisica aristotélica -, e portanto seu sistema como um todo, sua unidade e coerência interna -, do que salvar os fenômenos.
A ciência moderna surge quando se torna mais importante salvar os fenômenos e quando a observação, a experimentação e a verficação de hipóteses tornam-se critérios decisivos, suplantando o argumento metafísico. Trata-se, no entanto, como quase sempre na história das idéias, de um longo processo de transição, muito mais do que de uma ruptura radical.
Podemos considerar que são fundamentalmente duas as grandes transformações que levaram à revolução científica. A primeira é do ponto de vista da Cosmologia, com a demonstração da validade do modelo heliocêntrico, empreendida por Galileu; a formulação da noção de um universo infinito, que se inicia com Nicolau de Cusa e Giordano Bruno; e a concepção do movimento dos corpos celestes, principalmente da Terra, em decorrência do modelo heliocêntrico. O segundo dá-se do ponto de vista da idéia da ciência, a valorização da observação e do método experimental, isto é, uma ciência ativa, que se opoe à ciência contemplativa dos antigos; e a utilização da matemática como linguagem da fisica, proposta por Galileu sob inspiração platônica e pitagórica e contrária à concepção aristotélica. A ciência ativa moderna rompe com a separação antiga entre a ciência (episteme), o saber teórico, e a técnica (téchne), o saber aplicado, integrando ciência e técnica e fazendo com que problemas práticos no campo da técnica levem a desenvolvimentos científicos, bem como com que hipóteses teóricas sejam testadas na prática, a partir de sua aplicação na técnica. A revolução científica moderna resulta portanto da conjugação desses fatores, para o que contribuiram diferentes pensadores ao longo dos séculos XV a XVII.
No século XVII, Francis Bacon propõe um modelo para a nova ciência. Segundo Bacon, o homem deve despir-se de seus preconceitos, tornando-se “uma criança diante da natureza”. Só assim alcançará o verdadeiro saber. O novo método científico é a indução, que, com base em observações, permite o conhecimento do funcionamento da natureza e, observando a regularidade entre os fenômenos e estabelecendo relações entre eles, permite formular leis científicas que são generalizações indutivas. É desse modo que a ciência pode progredir e o conhecimento, crescer de forma controlada e portanto segura. “Saber é poder”, dizia Bacon, pois, ao conhecer as leis que explicam o funcionamento da natureza, podemos fazer previsões e tentar controlar os fenômenos de modo que nos seja proveitoso. O método indutivo usado por Bacon é diferente daquele formulado por Aristoteles e usado por muitos depois dele. Esse método seria o oposto do indutivo, conhecido como metodo dedutivo. Segundo Aristoteles o método dedutivo é a forma de argumentação típica da ciência, que dá-se através da demonstração, isto é, a dedução de alguns princípios gerais a partir de coisas menores.
Outro que deu um grande contributo à ciência moderna foi Hume. Para ele todo nosso conhecimento provém de impressões sensíveis e da reflexão sobre nossas idéias, se essas impressões e idéias são assim sempre variáveis, se a causalidade e a identidade do eu resultam apenas de regularidade, repetição, costume e hábito, então, em conseqüência, jamais temos um conhecimento certo e definitivo; toda a ciência é apenas resultado da indução, e o único critério de certeza que podemos ter é a probabilidade. Hume foi um dos filósofos que mais influenciou, em suas origens, a concepção de uma ciência hipotética e probabilística, posição que veio a ser predominante contemporaneamente.
A segunda grande revolução científica foi a chamada Revolução Darwiniana, resultado da obra do naturalista Charles Darwin, A Origem das Espécies Pela Selação Natural, publicada em 1859, onde se formula sua famosa teoria da evolução, ou, mais apropriadamente, da transformação das espécies pela selação natural.
Em seu livro Darwin fala sobre suas conclusões ao longo de longos anos de estudos com diversas espécies de animais coletados em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Mais uma vez na história humana alguém conseguiu descentralizar o conhecimento e visão que se tinha do mundo, o ser humano passava a ser mais uma espécie dentre todas as outras existentes e isso tirava o seu posto de “preferido” por Deus e o colocava no mesmo nível de pássaros, jabutis, lagartos, etc. Pode-se imaginar quantas críticas Darwin recebeu ao publicar seu livro, contudo junto com as críticas surgiu uma nova visão do mundo e consequentemente, uma nova maneira dos seres humanos verem a si mesmos e o papel da religião em suas vidas.
Um acontecimento importante no seculo XX, foi o chamado “O Circulo de Viena”. Este consistiu num grupo de filosofos e cientistas que se reuniram regularmente em Viena sob a liderança de Moritz Schlick (1882 – 1936), Otto Neurath (1882 – 1945) e Rudolph Carnap (1891 – 1970), com o objetivo de desenvolver um projeto de fundamentação das teorias científicas em uma linguagem lógica, e de discutir questões filosóficas através de analise lógica rigorosa que levasse à solução, à dissolução das questões científicas/filosóficas tal como formuladas tradicionalmente. Seu propósito era fundamentar na lógica uma ciência empírico-formal da natureza e empregar métodos lógicos e rigor científico no tratamento de questões que envolviam ética, filosofia da psicologia, ciências sociais, etc. A física, enquanto ciência empírico-formal, forneceria o paradigma da cientificidade para todas as formulações teóricas que se pretendessem científicas, formulando em uma linguagem lógica, rigorosa e precisa verdades objetivas sobre a realidade. Uma teoria deveria consistir assim e principios estabelecidos pela lógica, de caráter analítico, ou seja, verdadeiros em função de sua própria forma lógica e de seu significado; e em hipóteses científicas, a serem verificadas através de um método empírico.
O principal herdeiro do positivismo lógico, embora numa perspectiva bastante crítica, foi o austríaco radicado na Inglaterra Karl Popper (1902 – 1994), um dos mais influentes filósofos da ciência da segunda metade do sec. XX. Procurando escapar dos impasses gerados pela adoção do princípio de verificação e pela exigência do estabelecimento conclusivo da verdade das proposições fundamentais, Popper formulou, em suas obras, uma inversão desse princípio, através de seu Princípio de Falsificabilidade. Portanto, de acordo com o assim chamado racionalismo crítico de Popper, uma teoria cientifica é válida na medida em que suas proposições podem ser empiricamente falsificáveis através de experimentos, testes, observações, etc; o que permite que se “auto-corrijam” e se desenvolvam em direção a um ideal de verdade objetiva, no entanto jamais atingindo de modo conclusivo, evitando o seu fechamento em posições dogmáticas. A ciência não deve, portanto, visar à formulação de teses irrefutáveis, já que não há critério de verdade definitiva, mas sim adotar hipóteses falsificáveis.
A CIÊNCIA DE HOJE
Hoje estamos vivendo algo que chamamos Estruturalismo. Este nova visão da ciência se define por tomar a noção de estrutura como central em seu desenvolvimento teórico e metodológico. Uma estrutura é um sistema, um conjunto de relações definidas por regras, um todo organizado segundo princípios básicos, de tal forma que os elementos que constituem este todo só podem ser entendidos como partes do todo, a partir das relações em que se encontram com os outros elementos que compõem o todo. Nesse sentido, o todo é sempre mais do que a simples soma de suas partes, ja que a estrutura é constitutiva do todo, isto é o que lhe da unidade. O estruturalismo caracteriza-se como um método de análise de relações de significação através da investigação das régras e princípios que constituem uma estrutura ou um sistema. Desse ponto de vista, ocorre um rompimento com o subjetivismo e com a filosofia da consciência de mundo do inicio da modernidade, bem como com uma epistemologia voltada para fundamentação da possibilidade do conhecimento científico. As estruturas que analisam são autônomas, objetivas, independentes do pensamento ou da mente dos indivíduos, sendo constitutivas da realidade em seus diferentes domínios, biológico, físico, cultural, lingüístico. O papel da ciência para o estruturalismo passa a ser então identificar, explicitar e descrever essas estruturas e suas regras e princípios constitutivos.
O pensamento pós-moderno não se caracteriza como uma corrente ou doutrina nem possui propriamente uma unidade teórica, metodológica, ou sistemática, já que em parte visa romper exatamente com isso. Na verdade, o ponto comum entre esses autores parece ser mais a necessidade de encontrar novos rumos para o pensamento, concebendo a filosofia, a ciência biológica e as demais ciências, de forma ampla e não-linear, mais próxima das artes do que da “ciência” propriamente dita, não se pretendendo mais como um saber ou um ponto de vista privilegiado, mas como uma pratica discursiva, uma forma de reflexão, um entendimento de nossa época e de nossa experiência que de conta de suas rápidas transformações, de sua especificidade e de sua complexidade.
REFERÊNCIAS
JASPERS, K. Introdução ao Pensamento Filosófico. São Paulo: Cultrix, 2006.
MARCONDES, DANILO. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein – 11° ed. Rev. e. Ampliada. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
MORENTE, MANUEL GARCIA. Fundamentos de Filosofia: Lições preliminares. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1966.
SANTINELLO, G.; PIERETTI, A. & CAPECCI, A. I Problemi Della Filosofia: La filosofia nei rapporti con le scienze e la cultura – 1 nel mondo antico e medievale. Roma: Ed. Città Nuova, 1980.
Nenhum comentário:
Postar um comentário