As autoridades do setor de saúde estimam que varia de 60% a 70% o contingente da população do Acre portadora de hepatite. A região mais endêmica abrange os municípios de Feijó e Tarauacá, para os quais se estima mais de 80% da população como portadora do vírus. Isso não quer dizer que a doença tenha evoluído em todas as pessoas, mas para que se possa ter idéia da situação, temos em Rio Branco, a capital, Associação de Portadores de Hepatite com mais de mil filiados.
A realidade é assustadora no Acre, embora a hepatite permaneça fora de foco na política de saúde pública do país. O custo do tratamento de um portador de hepatite C, por exemplo, varia de R$ 6 mil a R$ 8 mil por mês, mas são raras as campanhas educativas e dificilmente os médicos solicitam de seus pacientes os exames que possibilitam o diagnóstico precoce da doença. São necessários de seis meses a um ano de tratamento com interferon peguilado para negativar a carga viral de um paciente com hepatite C.
Como cada ampola de interferon custa mais ou menos R$ 1 mil, na verdade o tratamento da hepatite C pode chegar a R$ 40 mil reais por cada paciente. O interferon peguilado, o mais caro, não é dado para todos os pacientes. Campanhas e diagnóstico precoce são as armas mais eficazes para combater a contaminação. No Acre temos muito mais hepatite B e D do que C, uma realidade diferente do resto do país.
Estou tocando neste assunto porque a Secretaria Estadual de Saúde está promovendo neste sábado, no Parque da Maternidade, em frente ao Terminal Urbano, o Dia de Conscientização da Hepatite. A campanha é realizada simultaneamente em 11 cidades brasileiras. O objetivo é alertar a população sobre a gravidade da doença, as formas de contágio, prevenção, e a importância do diagnóstico precoce e tratamento adequado.
A hepatite C, que passou a ser diagnosticada apenas a partir de 1989, já é um problema de saúde pública mundial. É uma epidemia silenciosa que já tem cerca de 200 milhões de pessoas cronicamente infectadas no mundo, sendo que, no Brasil, estima-se que sejam cerca de dois a três milhões. O contágio da doença ocorre apenas por contato sanguíneo. Casais monogâmicos que mantém relação de fidelidade e praticam sexo vaginal não têm indicação de modificar seus hábitos.
Os portadores de hepatite C não podem compartilhar utensílios pessoais e devem avisar barbeiros, manicures, farmacêuticos, dentistas e outros profissionais da saúde ou que manipulem agulhas ou cortantes, que são portadores de hepatite C. É nesses ambientes que as pessoas ficam mais expostas ao contágio.
Uma pessoa só pode afirmar que não é portadora de hepatite C, por exemplo, após exame de sangue específico. A doença é muito perigosa porque raramente apresenta sintomas e pode destruir o fígado lentamente. Juntamente com o alcoolismo, é a principal causa de cirrose hepática e de transplantes de fígado no mundo, podendo também causar câncer primitivo de fígado.
A maioria dos portadores desconhece sua condição porque a doença costuma evoluir silenciosamente, sem apresentar nenhum sintoma. A comunidade também desconhece a gravidade da doença, uma vez que a hepatite C compete injustamente com uma outra doença, igualmente gravíssima, mas muito mais conhecida: a AIDS. Esta recebe do governo brasileiro, atualmente, 13 vezes mais investimentos para campanhas educativas do que as hepatites. Além disso, o custo dos medicamentos para portadores são mais elevados e o fornecimento dura a vida toda.
Poucos sabem que a hepatite C contamina sete vezes mais brasileiros do que a AIDS e, por isso, mata mais. Dados recentes nos Estados Unidos sugerem que no último ano a mortalidade anual decorrente da hepatite C (através da cirrose ou do câncer) – cerca de 10.000 óbitos - já superou a mortalidade anual pela AIDS. É possível que isto esteja ocorrendo também no Brasil, embora não haja dados oficiais.
Doutor Tião Viana
Estou tocando neste assunto porque há três dias comecei a ler a tese de doutorado do médico e senador Tião Viana, de 175 páginas, cujo tema é "Estudo Soroepidemiológico das Hepatites B e Delta na População de Doze Municípios do Estado do Acre, Brasil". A tese foi apresentada, em 2003, ao programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, para obtenção do título de Doutor em Medicina Tropical. Área de concentração: Clínica das Doenças Infecciosas e Parasitárias.
A hepatite D é conhecida também como Febre Negra de Lábrea, uma doença fatal, conhecida pelos moradores locais, desde a década de 30 do século XX. A doença já vinha sendo estudada por expedições esporádicas organizadas pelo Instituto Evandro Chagas de Belém do Pará, em parceria com a Fundação Rockfeller. Em 1972, Aluízio Prata e colaboradores relataram um caso de Febre Negra, visto em Lábrea, de uma criança do rio Purus, na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Desde então as atenções sobre a Febre Negra passaram a ocupar o interesse do grupo de tropicalistas da UnB.
O Acre e a Bahia são os dois únicos estados onde o SUS cobre prontamente as despesas do tratamento de portadores de hepatite. E nesta conquista estão as mãos do médico Tião Viana. Lamento não dispor de algum link para sugerir download para leitura da tese de Tião Viana, um documento que todo acreano merece conhecer. Embora quase fora de contexto, eis as conclusões do médico:
"O inquérito soroepidemiológico realizado em doze municípios do Estado do Acre, precisamente nas áreas urbanas de Santa Rosa do Purus, Manuel Urbano, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá, Jordão, Porto Walter, Marechal Thaumaturgo, Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Mâncio Lima, permitiu que se chegasse às seguintes conclusões:
1) a prevalência da infecção pelo vírus B da hepatite nos doze municípios estudados foi de 62,9% da população, no que tange ao marcador anti-HBc total, indicativo de infecção prévia;
2) a prevalência de portadores do VHB na região (AgHBs positivo) foi de 3,4%;
3) a prevalência do marcador sorológico anti-HBs, que indica infecção prévia resolvida ou conversão sorológica por estímulo vacinal prévio, foi de 31,2%;
4) a prevalência da infecção pelo vírus D da hepatite, em relação ao marcador anti-VHD total, foi de 1,7% das amostras estudadas;
5) o risco de infecção pelo vírus Delta, de acordo com o marcador anti-VHD total encontrado, foi 3,1 vezes maior entre os homens do que entre as mulheres. A faixa etária, o hábito de freqüentar o ambiente florestal e a escolaridade estiveram relacionados ao maior risco de ser portador do anti-VHD;
6) houve associação entre o grupo racial índio e o não-índio no que se relaciona à soroconversão para o anti-VHD total, sendo a razão de chances estimada em 3,45;
7) em cinco municípios, houve positividade para o genótipo F e em outros quatro, para o genótipo A;
8) nos municípios em que houve positividade para os genótipos A e F, os subtipos encontrados foram o adw2 e o adw4;
9) foi observada maior prevalência dos vírus B e D junto às populações residentes nas áreas geográficas que constituem os vales do Tarauacá e do Juruá;
10) constatou-se maior prevalência da infecção pelos vírus B e D na população localizada na região mais ocidental do Acre, área em que os indícios históricos sugerem as primeiras ocupações e mobilizações étnicas do Estado".
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